segunda-feira, 15 de agosto de 2011

She

Ela chegou sobressaltada, correu até o banheiro, tateou a parede à procura do interruptor. Encarou-se no espelho e não reconheceu quem viu. Aquela carcaça, aquele rosto já não era mais dela. Desenhou os contornos do rosto com o indicador. Em qualquer outro dia ela diria que estava feia, gorda ou, na melhor das hipóteses, apresentável. Não que de fato não fosse bonita, mas qualquer um que olhasse mais atentamente poderia jurar que ela esforçava-se demais para não ser.

Abaixou a cabeça e apoiou-se na beirada da pia, lavou o rosto e fitou o espelho novamente. Quem era essa pessoa? Quem era essa mulher que tomara seu corpo? Mulher? Ainda ontem era apenas uma menina com suas bonecas. Menina. Criança. Mulher. Ela não enquadrava-se em nenhuma categoria. Na verdade ela parecia um espírito livre que tomou para si um corpo desavisado. Lavou o rosto com a água gelada da torneira e a deixou aberta, algo ainda precisava ligá-la a realidade.

Cambaleou até o quarto e encarou a própria cama como quem procura algo fora do lugar. Não encontrou. Tirou toda a roupa e jogou-se na cama em fúria e sentimento enquanto desenhava animais e seres imaginários no teto. A luz que adentrava pela janela dava um toque soturno ao ambiente. Ela cobriu-se com o lençol de seda e o frio do tecido se contrapôs ao calor da sua pele. Abraçada a si, ela desejou ser dela novamente, desejou ter controle, poder e fúria. Ela abraçava-se na vã tentativa de voltar a ser quem era e então permitiu-se chorar. Chorou e percebeu: ela não era mais ela, agora só era ela estando nele.


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