quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Ferris Bueller e a Honda (ou o que vendemos na publicidade)

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Semana passada o grande comentário nas redes sociais foi sobre um teaser que apareceu no Super Bowl (maior evento esportivo dos Estados Unidos e a veiculação publicitária mais cara do mundo). Em um vídeo de apenas alguns segundos Matthew Broderick aparece incorporado no seu personagem que talvez seja o mais emblemático - Ferris Bueller - e uma data é anunciada - 05/02/2012. Aí começa a nossa história.





Milhares de fãs desesperados se animaram achando que o teaser na verdade precedia algo maior: a continuação do filme "Curtindo a vida adoidado" (Ferris Bueller's day off). Depois que viram a confusão que estava acontecendo o lançamento da peça foi adiantado e todo mundo descobriu que, na verdade, se tratava de uma campanha da Honda para anunciar o CR-V 2012. O vídeo tem 2 min e 30 seg aproximadamente e mostra Ferris sendo... ele mesmo. Agora ele liga para o chefe, inventa que está doente e sai por aí aproveitando o dia (claro, sem ser pego). Alusão clara ao filme, uma cópia divertida que dá na gente aquela mesma vontade de quando o víamos na Sessão da Tarde. Quem nunca pensou "Eu ainda vou fazer isso" que atire a primeira pedra. Todo mundo pensa, mas ninguém faz e aí começa a análise.



É inegável que o filme faz parte do imaginário popular, está enraizado em toda uma geração e repercute nas gerações futuras. Ferris traduz o ideal da década perdida: o cara descolado, de jeans, camiseta e óculos escuros que faz o que quer, do jeito que quer, tem um espírito anárquico e subverte as regras do micro-sistema em que vive - a escola. Mas de 1986 para 2012 as coisas mudaram um pouco. Apesar da aparência séria, ele continua com o espírito anárquico e ao ligar para o chefe e enganá-lo deliberadamente ele continua ignorando o sistema, que agora ganhou contornos de macro. A vida não é mais a escola, ele não tem mais 17 anos e não está matando aula. Agora ele mata o trabalho porque simplesmente "não sabe como trabalhar num dia como esse". O que me incomoda é o fato de que valores da década de 80 e sentimentos de um jovem irresponsável ainda pairem sob a cabeça de um senhor de meia idade. Ao quebrar a cronologia e trazer esses significantes para o presente, a Honda inconscientemente (ou conscientemente, não sei) está dizendo: "Venham! Comprem o CR-V 2012 e vocês serão tão descolados quanto ele". E quem não quer ser o Ferris? O problema, entretanto, é que agora ele não é mais um garoto de 17 anos e falhas de conduta da juventude que perduram pela vida transformam-se em defeito. O problema é em quem você se torna ao adquirir esse produto. Todos querem ser o Ferris, mas ninguém quer ser o tiozão que larga tudo e vai parar em um parque de diversão, que anda com um urso de pelúcia gigante no banco do carona ou que simplesmente foge do chefe. Irresponsabilidade, impulsividade, anarquia, rebeldia... é tudo isso que a Honda está agregando ao seu carro. Ou simplesmente "Olha que sacada legal! Bora fazer uma peça com alguma coisa dos anos 80?". Quem há de saber?


Mas essa é apenas mais uma visão exagerada de alguém sem significante que vive procurando um significado. Fique à vontade para fazer sua própria análise. ;-)
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