segunda-feira, 14 de maio de 2012

Na esquina

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- Bom dia! Pra onde a senhora tá indo?
- Bom dia. Bem, eu não sei.
- Como assim?
- Como não sabendo.
- Ainda não entendi. Então pra onde levo a senhora?
- Tanto faz.
- Hã? Mas a senhora precisa de um rumo.
- Quem disse?
- Todos precisam.
- Quem disse?
- Mas não dá pra viver assim!
- Pra mim anda funcionando bem.
- Desculpa, mas como posso deixar a senhora em lugar nenhum?
- Não sei, o motorista é o senhor.
- Mas a senhora precisa saber pra onde vai.
- E qual seria a graça?
- Bem... a de se saber pra onde se vai?

Ela gargalhou e tirou o iPod do bolso. Colocou os fones no ouvido e, como quem lembra de apagar a luz de casa antes de sair, disse:

- Quer saber, mudei de ideia. Pode me deixar na esquina.
- De qual rua?
- Da vida. De lá eu vou a pé.


Penumbra da noite

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Mais uma noite e estou aqui, acordado, ouvindo músicas aleatórias, sob a penumbra dos meus próprios pensamentos iluminados apenas pela luz no computador. O cigarro está no mesmo lugar, meio aceso, meio apagado. Indefectível. O uísque, meio quente, meio aguado, me faz questionar o que estou fazendo aqui. Jogado nessa poltrona, ao léu, sinto o conforto dos mendigos que servem de morada aos ratos. Talvez eu também seja um rato. Ou um mendigo. Pior, eu sou eu, e nem os ratos escolhem perambular perto de mim. A janela emoldura uma Lua tão linda que, se eu fosse dotado de algum sentimento, talvez pudesse notá-la. Nada é tão real quanto antes, o abstrato tornou-se a minha verdade. E a verdade? Obsoleta. Cada linha que escrevo me sinto mais longe do fim e talvez seja assim mesmo. Hoje vivo porque morro a cada linha, ou evito a morte a cada linha e por isso vivo? Não sei, talvez fosse melhor se eu sentisse, mas essa pedra que guardo no peito não consegue amar nada além de ti. Muito além de mim. Fim.