domingo, 4 de outubro de 2009

Redenção

2 ficaram (des) consertados
Ele está sentado naquela poltrona há mais ou menos três horas, inerte. Pernas largadas, quase deitado, seu corpo está tão relaxado que não ousara sequer se mover. Há três horas Ricardo olha para uma faca na mesa, puramente seduzido pelo brilho da lâmina. Eles estão em uma conversa silenciosa há horas, onde somente um lado fala.

“Venha Ricardo, deixe-me provar do teu sangue impuro. Farei com que todas as suas dores desapareçam. Prometo que você irá se sentir bem”. 

Ele anda perturbado com as vozes, não sabe o que fazer para calá-las e não sabe como suplantar essa dor. Por vezes outras lâminas sentiram o sabor da sua pele, um prazer incrível, porém momentâneo. As maiores cicatrizes se escondem no porão da sua alma, que no momento parece ter abandonado aquele corpo. Todos já desistiram, inclusive ela, então por que ele também não pode desistir? Sim, é inútil, nada há para ser salvo, nada há para ser lembrado.

Esse é um momento único, somente ele, a poltrona e a faca – quatro horas – quanto tempo passou? A dúvida ainda paira em sua cabeça repleta de pensamentos lá não muito ortodoxos. Será que a solução para todo o sofrimento é pular fora da ponte da vida? Quisera ele que seu espírito pudesse descansar em paz, mas os fantasmas que um dia aparentemente se afastaram ainda lhe perturbam as ideias. Cada fibra do seu ser exprime um som quase gutural, essa dor constante corrói a sua carne deixando marcas por todo o seu rosto e pulsos.

No chão algumas caixas jogadas, remédios usados antes para aliviar a sua dor de sentir, mas que agora não fazem nenhum efeito. Ricardo parece ter entrado num mundo paralelo de dor e sombras, onde nada mais importa além de livrar-se do sofrimento. Eis que pelas asas do mensageiro dos ventos vem a sua redenção, tão linda que chega a ofuscar-lhe a visão, pousando levemente sobre o seu colo. Seus membros estão dormentes mas ainda assim consegue forças para alcançar a paz derradeira. Deixou para trás apenas um rastro de sangue e lágrimas.