"And the hardest part was letting go not taking part, was the hardest part..."
The Hardest Part - Coldplay
Querido, eu preciso te contar uma
coisa. E é dessas coisas que a gente fala com um nó atado na garganta e com o
coração em desalinho. Amor é coisa séria, por isso preciso te dizer. Porque
nada pode ser mais leviano do que ser vil com o sentimento alheio.
Sabe, pra começar eu nem sei por
onde começar – porque eu não sei como sinto. E como se explica milhares de
coisas inexplicáveis? Sorrir é um verbo que só aprendi a conjugar depois de
olhar nos teus olhos. Não há adjetivo ou substantivo que possa se igualar. É falta
de léxico.
Falta de prumo, falta de rima,
milhares de incertezas. Você me ensinou tanta coisa que fico sem jeito de não
saber agradecer. Mais do que coisas, você me ensinou sobre mim. Estranha essa
minha mania de dormir meio torta, né? Ou de beber água no gargalo da garrafa.
Ou essa coisa de sempre ter uma sacada ácida. E você nem liga. Tem gente que
não entende sarcasmo, mas você não liga. Eu faço pra provocar mesmo e, porra,
você não dá a mínima! Acabei me tornando agridoce.
Aprendi a baixar a bola. A ver
que o mundo não está contra mim. Pelo contrário, ele tá até torcendo um
pouquinho por mim. Talvez tenha ficado cansado de ver eu me foder – ou só
ficado com pena, quem vai saber? Aprendi responsabilidades que nenhum garoto
poderia me ensinar. Até porque isso é coisa de homem, não de menino. Homem
daqueles que não precisa fazer joguinhos fingindo que vai desaparecer, só pra
te deixar insegura. Até porque insegurança mulher tem de sobra. Homem de
verdade não precisa fazer essas coisas. Eles aparecem quando querem e vão
embora quando precisam. Não há regras porque não há jogos. É verdadeiro, mesmo
que seja no reino da fantasia.
E hoje eu tô aqui sentindo o seu
cheiro na minha cama tentando entender como ele foi parar ali. Ele deve ter
pulado em mim no meio daquele último beijo na cozinha, pegou uma carona do meu
ombro e agora repousa no meu travesseiro. Saudades daquele beijo meio roubado,
meio cedido. Saudades da sua barba de final de semana que só me visita domingo
à noite, porque toda a segunda ela se despede e deixa em mim uma daquelas
vontades inconfessáveis.
E quer saber? Metade dos meus
sentimentos por você são inconfessáveis e a outra metade inafiançáveis. Deveria
ser ilegal despertar tanta paixão. Se isso fosse amor, seria considerado imoral.
Mas pro amor falta só um pulo e eu fico aqui dando passos pra trás quando
deveria me jogar para frente. Ai já não dá.
Você entrou em terreno proibido e
eu nem sei como conseguiu a chave dessa masmorra. O que eu quero mostrar é
exatamente essa bagunça que eu sou e que você virou parte um pouquinho. O que
eu quero é que você entenda que a culpa é minha, não sua. Porque quando eu
precisei de espaço, você me deu o céu e, mesmo sem saber pra onde ir, eu sei
que você saberia me guiar.
Mas o problema de verdade é tudo
o que está desarrumado. E aqui dentro é um caos, talvez já tenha dado pra
perceber. Tem dias que não tem lugar nem pra mim mesma. Tenho que ficar
brigando com todos os meus pedaços para que o meu inteiro tenha um espacinho. E
nossa, acho que nem lembro mais como é ser inteiro. Por inteiro.
Você sabe que eu nunca quis te
magoar, né? Já engoli meu orgulho uma vez e talvez por você eu pudesse fazer de
novo. Só por você. Só mais uma vez. O problema é tudo o que a gente joga pra
debaixo do tapete achando que nunca teremos visita em casa. E aí do nada
aparece alguém que entra pela janela e já senta colocando os pés no sofá. Não
dá.
O problema é tentar curar fratura
exposta com band-aid. Ferida não sara sem remédio. E eu nem sei ainda qual é a
minha cura, mas tô disposta a descobrir. Só que isso vai ser uma viagem longa,
mais louca do que tomar ácido. Na verdade vai ser como jogar ácido no peito. E puts,
vai doer. Talvez eu ache que não vá suportar, mas vai ser pela última vez. TEM
que ser pela última vez. Sabe, já passou da hora de expurgar isso. Catarse pra
mim é estado de espírito, mas até os fantasmas merecem descansar.
O caminho será longo e eu não
posso pedir que você venha comigo. Na verdade é exatamente o contrário. Tô
pedindo que você desça e troque o rumo da estrada. E por Deus, nunca pedi algo
tão sério assim! Eu sei que isso vai fazer doer ainda mais, mas eu sou assim
mesmo. Preciso fugir pra me remendar. Tem tanta vida vazando que parece uma
inundação. E sou eu que estou indo embora escorrendo pelo meus próprios dedos.
Promete que não vai me odiar?
Espero que nenhuma parte do seu corpo sinta raiva de mim, principalmente
aquelas que eu mais amo. Guarda aquela camisa sua que eu gosto e acabou ficando
com o meu cheiro. Não pinta as paredes do seu quarto de gelo. Gelo nem é uma
cor, é um estado físico da matéria. Deixa assim do jeito que tá, combina com
seu sorriso meio inocente, meio sacana. Se der saudade de verdade, dessas que
aperta o peito, coloca aquela música do Debussy e ouve comendo sorvete de
flocos com cobertura de morango. Você vai ficar bem, querido. Eu prometo. Agora
eu tenho que ir. Me desculpa por tudo, mas meu peito é de aço e em alguma parte
do caminho desaprendeu a amar. Seu amor aqui viveria em cativeiro, então
prefiro deixá-lo livre.
Mas respondendo sua pergunta:
talvez eu pudesse te amar, mas preciso suturar meu coração primeiro. Talvez eu
já te ame, mas isso eu nunca vou saber. Acho que o aço do meu peito tá
enferrujando. O que tem aqui por baixo é mais do que eu. E será sempre um
pouquinho seu.
Beijos,
S.
1 ficaram (des) consertados:
Lindo (:
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